quinta-feira, 10 de junho de 2010

SORTE OU ESTRATÉGIA – UM CONTO DE GAMÃO

Em todos os tempos, o ser humano após a jornada de trabalho e, em alguns casos, como antigamente, após as lutas e batalhas contra outros seres humanos e animais e até a própria natureza ainda hostil, sustentando a vida, precisava espairecer o pensamento, divertindo-se de alguma maneira.
Geralmente, cantavam e dançavam nos acampamentos que se instalavam nos campos de lutas ou nas praças da cidade onde viviam. Eram as chamadas manifestações populares que se prolongavam até altas horas da noite, às vezes, varando a madrugada.
Enquanto isto, os chefes, na maioria reis daquela gente, por questões de segurança e ética, não podendo participar dessas manifestações, ficavam recolhidos em suas tendas e/ou palácios.
Sem dúvida que esse isolamento, junto com a tensão na direção e responsabilidade do cargo, trazia grande tédio.
Não suportando mais esta situação que se repetia todas as noites e ia se agravando, certo rei convocou o sábio da corte, o general, o sacerdote, o feiticeiro e o mágico, e solicitou deles uma providência, qualquer coisa que desse fim àquela solidão infernal.
Mulheres, mágicos, bailarinos, acepipes os mais extraordinários, enfim, tudo já havia sido tentado e já cansara sua majestade pela repetição das mesmas coisas.
Ficou patenteado que algo diferente tinha que ser inventado e rapidamente.
Ao sair da audiência com o rei, o sábio incumbiu cada elemento daquele grande conselho a pensar seriamente no assunto real e determinou que o grupo apresentasse um resultado dentro de cinco dias.
Findo os cinco dias, em noite esplendorosa, engalanados em seus melhores trajes, o grupo voltou a se reunir e, pela expressão facial de cada um deles, o sábio percebeu de logo que tinham conseguido algo extraordinário.
- O que conseguiram, perguntou o sábio?
- Um jogo, respondeu o sacerdote, onde cada um de nós deu a sua participação de acordo com a especificidade de cada qual. Eu, por exemplo, cuidei da alma e idealizei uma tábua com 24 triângulos simbolizando as pirâmides do Egito. Cada jogador, para vencer o jogo terá que passar por essas estruturas monumentais e nesta passagem haverá de purificar a alma e acalmar o espírito.
Depois foi a vez do general. – Eu fiz as pedras e imaginei toda a estratégia de conquista dessas pirâmides, como se fosse uma verdadeira batalha campal de avanços re recuos, de ocupação de espaços, entre dois exércitos. O rei vai gostar dessa idéia. Ele é um guerrilheiro!
O mágico e o feiticeiro trabalharam juntos nas duas noites que lhe couberam em razão da afinidade de seus ofícios e apresentaram os “astrágalos” ou dados, feitos de ossos do tarço de vários animais. Através dos astrágalos, as pedras caminharão numa sequência imutável de lances de sorte e azar de cada um dos jogadores. Ora, seriam espinhos a ferir o corpo, ora seriam pétalas de rosas a atapetar o andar.
- Eis aí o “game”, majestade, falou o sábio. Ele tornará suas noites mais agradáveis e menos tediosas e o rei, após ouvir atentamente as explicações do seu funcionamento, presenteou o sábio com extensas e ricas terras às margens do rio Nilo. Também deu ricos presentes aos demais componentes.
Todos se retiraram menos o sábio que lhe foi pedido permanecer no local. O rei tinha uma pergunta a lhe fazer.
-É mesmo um jogo de sorte e azar? Se assim for, eu sempre vencerei a rainha, pois eu sou um homem de sorte. Não é a toa que eu sou o rei. Despediu-se do sábio e se recolheu aos seus aposentos. Em baixo do braço, levava o primeiro gamão.
O sábio baixou a cabeça e um traço de preocupação invadiu seu coração. Pensou consigo que, efetivamente, o rei possuía muita sorte, mas a rainha era mais estratégica!

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